Imagem de Santo Antônio venerada no convento franciscano de Salvador da Bahia. A origem da imagem é narrada por ILHA:
"22. Num altar lateral da Igreja deste convento, ao lado do evangelho, acha-se uma imagem de Sto. Antônio, tida em grande veneração; por meio dela e pelo modo como chegou a este convento. Deus Ótimo Máximo operou um grande milagre para o conhecimento de nossa santa fé e para a defesa das imagens contra os hereges; este milagre teria sido suficiente para convertê-los, caso o tivessem encarado com os olhos da alma e da fé como o tinham visto com os olhos do corpo. Através dele receberam o castigo de suas péssimas heresias, como a seguir veremos.
23. No ano do Senhor de 1595 partiu do reino da França uma esquadra de 12 velas para tomar e arrasar a cidade da Bahia, que também se chama cidade do Salvador e de Todos os Santos. Os navegantes eram franceses luteranos de la Rochelle, cujo comandante era Pão de Milho. Passando pela costa da África conquistaram a fortaleza dos soldados portugueses, denominada Arguim. Os soldados portugueses — que eram poucos — lutaram valorosamente contra os muitos inimigos, mas o forte lhes foi tomado. Os assaltantes haviam prometido não lhes fazer mal; sendo, porém, hereges que não guardam nem a fé nem a palavra perante Deus, não mantiveram suas promessas, passando todos a fio de espada. Saquearam o local e a torre, arrasaram os templos até os fundamentos e quebraram as imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo, de sua Mãe Santíssima, de outros santos e as atiraram ao fogo; fez-se exceção a uma imagem de Sto. Antônio que se encontrava numa capela e que o comandante Pão de Milho mandou levar para o seu navio. Colocando a santa imagem no convés do navio, os franceses, pondo em ação suas depravadas vontades e sacrílegas mãos, fizeram com ela tamanhas abominações e maldades, indignas até de luteranos, inimigos da nossa santa fé, pois negam pertinazmente a veneração e o culto que os católicos consagram às imagens. Enfim, contra a santa imagem que permanecia voltada para a proa do navio atiçaram um enorme cão, fazendo os maiores ultra ges e chamando de santo ao cachorro, enquanto escarneciam dos portugueses e de todos os cristãos, porque criam em tal imagem e lhe prestavam veneração. O cão era tão constante e treinado em ferir com os dentes a santa imagem, como os hereges em brandir suas espadas. Um dos franceses, para mostrar seu espírito depravado e o ódio contra a santa imagem deu-lhe muitos golpes: o primeiro na cabeça que se estendeu até o maxilar da face direita; outro no braço esquerdo que decepou a maior parte do mesmo, juntamente com a mão, assim que só ficou um resto do livro. Outro golpe decepou a mão direita. E assim sucederam-se outros golpes não menos graves nos pés, que apareciam sem dedos, na cabeça, no corpo e em outras muitas partes. Cansados de golpear à espada e ferir a santa imagem, os franceses afixaram-lhe nas costas 3 grandes cravos nos quais amarraram cordas e arrastaram a imagem pelo navio. Levantaram-na, por fim, jogando-a para todos os lados, dizendo: Antônio. Antônio, guia, guia o navio para a Bahia. Ele, de fato, conduziu-os tão bem que eles iam saber que Deus toma como feitas a si as contumélias e injúrias dirigidas a seus santos e já nesta vida as castiga com rigorosos e rudes suplícios.
24. Enquanto eles se entregavam inteiramente a estas abominações, não viam nem sentiam em si a ira divina que tácita e ocultamente os castigava e para breve reservava o castigo que os seus pecados mereceram. Sucedeu que os arcos dos barris que traziam água e vinho se contraíram de tal modo que, desfeitos, seu conteúdo se derramou irremediavelmente pelos navios. E para que os hereges afastassem de si toda suspeita e toda ideia de que isto acontecia ordinariamente porque a madeira apodrecia, sucedeu o mesmo aos barris cujos arcos eram de ferro. As bolachas ficaram úmidas e estragaram-se, tanto que poucos dias depois faltavam gêneros alimentícios à esquadra. Mesmo assim, perseveraram nas blasfêmias e erros luteranos de que estão revestidos por dentro e por fora; mesmo com a consciência ferida pelas muitas cicatrizes de pérfidas heresias, nenhuma disposição sentiram suas almas de pedir perdão e penitenciar-se de tal ofensa a Deus e ao seu santo; pelo contrário, continuaram ainda a bater-lhe e a ofendê-lo.
25. Foram insensíveis ã mínima penitência: de nada adiantou este tão horrível e admirável castigo, nem a doença repentina que matou a maior parte deles, faltando assim aos navios marinheiros para soltar as velas e levantar âncoras; não os sensibilizou a horrível e detestável morte de um luterano que de um modo baixo e cruel, como um irracional, ofendera o santo de Deus; esse, tendo bebido um pequeno frasco de água fria, de súbito se lhe derramaram as entranhas e assim qual alma infeliz de Judas, companheiro de Ario seguiu o caminho comum dos mortais, isto é, seguiu para a outra vida, a eterna. Aos companheiros, cúmplices e testemunhas dos crimes, reservou Deus suplícios e castigos que não puderam evitar, pois a breve espaço pereceram repentinamente: com tal violência enfureceu-se o mar contra os sobreviventes que, arrojando-os de si como se fosse a espada de Deus vinda com poder judicial para os ligar e punir, formando uma horrível tempestade, afogou a maioria deles. Ficou, porém, incólume e intata a nave em que viajava a imagem do beatíssimo pai Antônio. Isto sucedeu para que o comandante e todos os sobreviventes fossem castigados em mãos dos cristãos, porquanto eles dolosamente haviam tratado de maneira cruel e desumana os soldados cristãos que habitavam no forte de Arguim, nele montando guarda.
26. Para exemplo e castigo deles, quis o Deus Ótimo Máximo, com seu juízo divino, que a nave do comandante Pão de Milho aportasse mais ou menos 50 léguas distante da Bahia no lugar chamado Sergipe do Rei, para providenciar água. Lá foram presos e encarcerados pelo comandante da terra, que os remeteu algemados à cidade da Bahia, ao Sr. Francisco de Sousa. Governador geral em todo o Estado. A nave, com poucos homens a bordo, levantou âncoras e foi para o alto mar; vendo, porém, que não a podiam governar, resolveram os marinheiros voltar à terra e entregar-se aos cristãos, como acontecera a seus companheiros e ao comandante. Para que não fosse encontrada no navio a imagem, tão cruel e impiamente maltratada, antes de desembarcar resolveram entre si jogá-la ao mar perto das margens de um rio no lugar chamado o “Morro de S. Paulo”, 12 léguas ao sul da cidade da Bahia. Embora os ventos fossem contrários, boiando milagrosamente, a imagem veio dar à parte norte, chegou à praia e parou em pé sobre a areia esperando o comandante Pão de Milho e seus companheiros que, levados presos à Bahia, deveriam passar por lá em frente dela.
27. Quando chegaram, algemados, ao local onde estava a imagem, vendo-a de pé, encheram-se de grande admiração, sobretudo o comandante Pão de Milho, que prorrompeu nestas palavras: “Antônio. Antônio, aqui estás. Antônio!” E voltando-se para o chefe cristão e companheiros que os escoltavam confessaram todo o supra referido, a saber: como a levaram da fortaleza de Arguim, e como seus companheiros que haviam permanecido no navio se viram forçados a lançá-la ao mar, 30 léguas além do local em que foi encontrada. Para remover qualquer dúvida contra tão grande milagre, os católicos investigaram se qualquer pessoa a pusera de pé, mas na areia não acharam nem sinais de homem, nem de animal, pois aquele caminho não era usado. Dirigindo-se à imagem, disse o comandante do navio: “Enfim. Antônio, tomaste vingança de nós; na verdade, contra nossa vontade, fizeste o que de ti exigimos: conduziste-nos para a Bahia, para sermos castigados” etc.
28. Com muita veneração, os católicos pegaram a imagem e a levaram consigo; no caminho encontraram um senhor nobre de nome Guarda da Villa que insistentemente pediu a imagem para colocá-la em sua capela. Eles lha deram. Com a chegada dos católicos à cidade da Bahia divulgou-se logo o milagre feito em favor de seu santo. Diante disso, os Frades Menores Capuchinhos desta cidade foram à casa de Guarcia pedir a imagem, transladando-a com grande solenidade e alegria ao convento de S. Francisco, onde se conserva com muita devoção e reverência num altar a ela dedicado. A imagem é sobremaneira bela; com estas chagas vermelhas parece ornada com o martírio. Aliás, tal martírio Santo Antônio sempre desejou em vida; foi este incontido desejo que o levou da Ordem dos Cônegos Regulares de S. Agostinho para a nossa Ordem. Quando morava no real convento de S. Cruz de Coimbra viu ainda com vida cinco Frades santos que o beatíssimo pai Francisco destinara para pregar a fé católica no reino de Miramolim; reviu-os mais tarde como mártires gloriosos. E se bem que não chegou a satisfazer o desejo do martírio na vida mortal, cumpriu-o nesta sua santa imagem etc.
29. Todos estes hereges que escaparam incólumes da fúria tempestuosa do mar devorador e nele não receberam os castigos perecidos por suas abominações e crueldades luteranas foram, por sua vez, punidos como os outros na cidade da Bahia, onde juntamente com seu comandante foram torturados e enforcados; eles mesmos foram suas próprias testemunhas ao confessarem seu crime iníquo diante de todos os magistrados eclesiásticos e civis; com apoio neles fez-se um sumário autêntico o qual se conserva neste convento, e mais um que foi remetido ao rei da Espanha. Filipe II, que logo decretou que a cidade tomasse Sto. Antônio por seu padroeiro e que em sua honra anualmente se celebrasse uma festa solene. A festa foi fixada para o quarto domingo do Advento, dia em que aquela santa imagem, triunfando dos seus inimigos, entrou na cidade da Bahia etc.
30. Dois anos depois destes acontecimentos, da mesma La Rochelle partiu uma esquadra de 12 navios contra a predita cidade da Bahia, para destruí-la e vingar a morte do comandante Pão de Milho e companheiros. Mas Deus também livrou a cidade desta esquadra, em virtude dos méritos de seu protetor pois a maioria dos navios foi ao fundo diante da cidade; alguns soldados que escaparam do mar foram torturados e suspensos no patíbulo da mesma cidade etc."